Newsletter Destino COP30

Maria Netto, presidente do Instituto Clima e Sociedade (ICS) no Brasil, fez um alerta importante em entrevista exclusiva à equipe da newsletter Destino COP30.

“É preciso entender a causa e a consequência. Nem sempre a sociedade como um todo entende que as emissões, a continuação de certas formas de produzir e de fazer, é o que resulta nos impactos que a gente está vendo no dia a dia", afirma.

Entre outras atividades que já exerceu, Maria Netto trabalhou no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), onde foi responsável por supervisionar projetos globais para ajudar os países a avaliar investimentos e fluxos financeiros e opções políticas para integrar negócios verdes em diferentes setores e atividades econômicas. 

A executiva também aborda o papel da modalidade de blended finance, de recursos mais concessionados e das filantropias para tomar o risco inicial em projetos ligados à mitigação de riscos e impactos quanto às emergências climáticas globais. Confira!


1. As COPs são faróis que indicam os caminhos dos próximos anos. O que devemos esperar para o pós-COP30?

Para os próximos dez anos, a atenção estará voltada para como avançamos em uma agenda de tangibilizar as metas. A discussão é de implementação e requer uma sofisticação, uma forma de olhar para a agenda muito mais integrada. Precisa ter ambição e tecnologia de redução de emissão (de gases de efeito estufa) e financiamento (climático), pensando em modelos de implementação e desenvolvimento que criem incentivos de escala para, preferivelmente, resolver o problema da demanda energética com energias que sejam baratas e que reduzam emissões. 

O setor privado tem que passar a financiar e ter incentivos para financiar certos tipos de energia, certos modelos de atividade do uso da terra para poder remover as emissões, certos tipos de atividades para as indústrias conseguirem descarbonizar.  

2. A agenda de implementação deve considerar a resiliência econômica e a adaptação das economias. Como o “custo do clima” é avaliado pelo setor privado? 

Se eu falo do custo do clima, o sistema financeiro, nos últimos dez anos, vem avaliando esses custos econômicos e está consciente de que não há resiliência. As economias não estão preparadas para o que a gente chama de impacto físico, que pode impactar diretamente o sistema financeiro.

Ou seja, se eu financio atividades no Sul (no estado do Rio Grande do Sul) ou se eu financio o setor agrícola onde houve secas e onde podemos perceber ainda secas frequentes, vou começar a integrar esse risco ao meu financiamento porque posso perder dinheiro. Então, o risco financeiro aumenta com o tempo também, e aí o que a gente vê é uma conscientização cada vez maior de que a agenda do clima faz parte da forma como a gente se desenvolve economicamente.

Temos que pensar: seremos resilientes a esses impactos? E como fazemos o nosso planejamento em termos de infraestrutura, em termos de escalar a redução de emissões?

Então, o que a gente está vendo hoje? Perdas econômicas “na veia”. Perdas econômicas de dinheiro que tem que ser desembolsado — no caso de dinheiro público, que não vai ser usado para saúde, para educação e outras coisas. No caso do setor privado, perdas que podem afetar até a economia, a continuidade dos negócios, perdas sociais.

E qual é a grande dificuldade? 

É que ciclos políticos, bancários, de investimentos, muitas vezes, tendem a pensar a curto prazo. Esse tipo de discussão e diálogo pede planejamento e uma visão econômica que precisa ser de longo prazo.

O segundo grande desafio é que estamos acostumados, no nosso sistema financeiro, na forma como planejamos fiscalmente, a olhar os riscos e planejar as coisas com base na nossa experiência. A mudança do clima é uma certeza de que vai aumentar a frequência e a intensidade dos impactos, mas há muita incerteza sobre quão frequente e intenso e quando exatamente os efeitos vão ocorrer. Então, é necessário repensar a forma como planejamos os investimentos fiscalmente, como planejamos uma empresa. Isso ainda não foi internalizado completamente quando falamos de implementação.

3. O Brasil está entre os dez maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo. Na sua avaliação, qual o desafio do País nas discussões climáticas hoje?

O Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa por causa do uso da terra, que começa a ser entendido também como uma parte extremamente importante da Conferência (a COP30). Seja por causa do desmatamento, seja porque a gente emite também, a nossa atividade econômica é muito forte e focada no uso da terra.

Por outro lado, o País tem um potencial muito grande na remoção de gases de efeito estufa, de recuperação de áreas degradadas e, inclusive, para promover boas práticas de agricultura regenerativa e criar valor agregado. Isso acontece com a recuperação de pastagem, promoção de biocombustíveis de segunda geração para aviação, por exemplo.

4. Na sua avaliação, o que é preciso ser feito para aumentar o engajamento e a conscientização da sociedade sobre os impactos e riscos das mudanças climáticas? 

Quando a população começa a entender que isso é uma realidade para ela, o engajamento da sociedade se faz muito mais real. Quando olhamos as organizações não-governamentais, a sociedade civil, a academia, os think tanks, que se engajam tradicionalmente à agenda do clima, estamos falando sobre uma agenda muito mais científica, técnica ou ambientalista, mas muito menos relevante para as pessoas fora desses grupos. 

Do ponto de vista da sociedade, é preciso entender a causa e a consequência. Nem sempre a sociedade como um todo entende que as emissões, a continuação de certas formas de produzir e de fazer, é o que resulta nos impactos que a gente está vendo no dia a dia.  

Então, eu acho que tem duas coisas. Tem que fazer qualquer pessoa entender a causa dos impactos. Por outro lado, existe também um trabalho muito importante que é o de trazer os mais conscientes para trabalhar no desenvolvimento da economia regional, com as pessoas que estão no território.  Definir modelos econômicos para o tipo de cidades que a gente precisa desenvolver, que tipo de reformas específicas precisamos para dialogar e pedir, por exemplo, novas regulações.

À medida que a gente conscientiza nos territórios e que as populações nos territórios podem se preparar melhor, elas também são menos vulnerabilizadas. É muito importante a gente entender a sociedade não só no papel do ativismo, mas como parte da solução mesmo. 

5. O ICS está no Brasil há dez anos. Como tem sido a atuação do Instituto no País? 

O Instituto Clima e Sociedade (ICS) no Brasil tem tentado trabalhar de forma diferenciada; tem o papel de unir muitos parceiros que precisam trabalhar juntos. A gente acredita muito nesse papel de agregador. 

Por exemplo, por meio da iniciativa Nature Investment Lab, reunimos o Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ) e o Instituto Itaúsa, além de muitas outras instituições para abordar os desafios atuais no financiamento e dimensionamento de soluções baseadas na natureza (NbS) para mitigar as emissões de gases de efeito estufa da agropecuária e outros usos do solo no Brasil.

Existem 40 milhões de hectares para serem restaurados fora da Amazônia, e uma boa parte pertence a pequenos ou médios produtores agrícolas. A partir disso, a gente começa a discutir modelos bem específicos de desenvolvidos, incubar e trazer os financiadores para dentro para tomar certos riscos.

Hoje, por exemplo, se você for financiar um projeto de restauração, ele pode levar de quatro a cinco anos para acontecer. Você não sabe qual vai ser o preço lá na ponta — ou do produto cacau, ou do mercado de carbono, seja o que for. Então, a gente discute qual o papel do blended finance, de recursos mais concessionados, das filantropias para tomar o risco inicial.

Tem sido muito interessante porque, quando a gente passa para a implementação, vê que é possível. O Brasil tem feito muita coisa inovadora e é possível alavancar muito mais.


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