Newsletter Destino COP30

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é um ator-chave na mobilização de recursos financeiros que farão parte das discussões na COP30.

Ilan Goldfajn, presidente do BID, aborda em exclusividade para a Destino COP30 como a instituição está se preparando para contribuir com soluções que permitam aos países avançar em um acordo global.

“Transformar potencial em impacto exige investimento. É por isso que estamos transformando o BID em um banco de desenvolvimento voltado cada vez mais ao setor privado”, afirma Goldfajn.

Leia a entrevista!


1. Qual a importância da COP30 e qual será o papel do BID?

Para o BID colaborar com a COP na América Latina e no Caribe, e em particular no Brasil, é uma prioridade. Além do mais, a COP30 será realizada no coração da Amazônia — uma das regiões mais biodiversas do planeta e um símbolo da capacidade da América Latina de contribuir para soluções globais. A região concentra 40% das florestas tropicais do mundo, é essencial para a segurança alimentar, hídrica e climática, e tem o potencial de liderar uma nova economia baseada em sustentabilidade.

Estamos organizando nosso trabalho em quatro frentes: ampliar a resiliência com projetos concretos de adaptação; avançar com a agenda do programa Amazônia Sempre; dar escala à inovação financeira com mecanismos como mercados de carbono e conversões de dívida; e promover o Alinhamento de Belém — um esforço coordenado para definir indicadores comuns e fortalecer políticas de finanças da natureza.

Essas frentes estão alinhadas com as prioridades da Presidência brasileira da COP30, que tem enfatizado a importância de implementar o que já foi acordado, especialmente com base nas ações do Global Stocktake — um processo da ONU que avalia, a cada cinco anos, o progresso coletivo na agenda climática global. Temos trabalhado em coordenação muito próxima com o time da Presidência, apoiando desde a estruturação técnica da equipe e a produção de estudos estratégicos, até a organização de eventos da Agenda de Ação.

Também estamos colaborando diretamente na elaboração do roadmap de Baku a Belém — que visa mobilizar de US$ 300 bi a US$ 1,3 tri — com apoio técnico, especialistas e insumos estratégicos para que a COP30 contribua de forma concreta e efetiva para acelerar a implementação da agenda climática global.

2. Um dos grandes objetivos da COP30 é viabilizar um compromisso realista para o financiamento climático, na casa de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. Acredita que estamos avançando na definição dos mecanismos financeiros necessários? Esses avanços são suficientes ou ainda estamos longe do necessário?

Transformar potencial em impacto exige investimento. É por isso que estamos transformando o BID em um banco de desenvolvimento voltado cada vez mais ao setor privado. Estamos alavancando nossos 65 anos de experiência com o setor público para criar sinergias que beneficiem os dois lados — público e privado. Hoje, mais de 44% do nosso financiamento já flui por meio do BID Invest e do BID Lab. Nossa meta é atingir a paridade até 2030. Por ano, financiamos cerca de US$ 26 bilhões, porém temos a ambição de mobilizar até US$ 38 bilhões até o fim da década — dos quais US$ 11 bilhões viriam do setor privado.

Essa transição reflete uma realidade: os recursos públicos, sozinhos, não serão suficientes. Para chegar perto do US$ 1,3 trilhão por ano que o mundo precisa mobilizar, o setor privado precisa ter um papel central.

O mundo investe mais de US$ 40 trilhões por ano, majoritariamente em países desenvolvidos. Precisamos redirecionar parte disso — e isso exige reduzir riscos e ampliar a previsibilidade. Também estamos apoiando os países a fortalecer sua capacidade institucional para absorver e alocar esses recursos de forma eficaz.

A América Latina pode — e deve — ser parte central da solução. Nosso papel é destravar esse potencial.

Para isso, estamos desenvolvendo um novo mecanismo financeiro para mobilizar capital privado em grande escala— nossa contribuição concreta ao “roteiro para US$ 1,3 trilhão”, a ser apresentada na COP30. A proposta parte de uma constatação: a mobilização de capital privado a nível global tem sido muito prometida, mas pouco realizada. Por isso propomos uma solução ancorada nos ativos que já estão nos balanços de instituições financeiras locais. A ideia é empacotar esses ativos em títulos em moeda de reserva, com taxonomias padronizadas e garantias regulatórias — exatamente o que investidores institucionais buscam. A contrapartida: os detentores atuais reinvestem os recursos em novos ativos sustentáveis. Isso cria um ciclo de investimento e maior velocidade do capital.

3. Que tipo de colaboração o BID tem buscado com outras instituições multilaterais e o mercado financeiro para cocriar mecanismos mais eficazes e escaláveis de financiamento climático?

    Estamos colaborando mais do que nunca com os outros Bancos Multilaterais. Desde o ano passado, quando estávamos na presidência do grupo dos líderes dos maiores bancos de desenvolvimento, desenvolvemos um trabalho conjunto com objetivos e realizáveis concretos que chamamos de Viewpoint Note, que deu origem ao Arcabouço de Reforma dos Bancos Multilaterais sob a égide do G20 (antes na presidência do Brasil, agora na África do Sul).

    Concordamos em colaborar em cinco frentes, onde o financiamento climático é um deles. A escala só vem com colaboração. Em 2023, os bancos multilaterais mobilizaram US$ 125 bilhões em financiamento climático. O BID contribuiu com US$ 7,5 bilhões para a América Latina e o Caribe — combinando recursos públicos, privados para inovação. Nos últimos dez anos, o BID destinou cerca de US$ 50 bilhões ao clima. Agora, com o apoio dos países membros, incluindo a recapitalização do BID Invest, queremos triplicar esse valor para US$ 150 bilhões na próxima década.

    Um exemplo é o financiamento que coordenamos para a Amazônia no âmbito do programa Amazônia Sempre. A Coalizão Verde de bancos públicos de desenvolvimento, por exemplo, pretende mobilizar entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões até 2030, com uma plataforma dedicada ao desenvolvimento
    sustentável. Com o Banco Mundial estamos preparando guias para a emissão de títulos amazônicos em toda a região amazônica, com a intenção de lançar os novos títulos no marco da COP30.

    Em outra frente, vamos lançar durante a COP30 com o BNDES, o Banco do Brasil e a CAIXA, o ETF (Exchange Traded Fund) Amazônia Para Todos, operado na B3. A proposta é oferecer uma alternativa de financiamento para investimentos sustentáveis na Amazônia. Com o ETF queremos ajudar a democratizar o acesso a esses investimentos, ao combinar recursos com incentivos por resultados bem como ampliar a base de investidores, tanto domésticos como
    internacionais.

    Para o setor privado, junto com a IFC (International Finance Corporation), lançamos a Rede Financeira da Amazônia, reunindo 54 instituições para mobilizar capital e trocar conhecimento. E, com o BID Invest, lideramos a Coalizão para Restauração e Bioeconomia, ao lado do BNDES, Banco Mundial e parceiros. A
    meta: mobilizar até US$ 10 bilhões para restaurar 5 milhões de hectares e evitar uma gigatonelada de CO2 até 2050.

    Um outro exemplo é o uso dos Direitos Especiais de Saque (SDRs) para atuarmos juntos em diversas áreas em comum. Com o Banco Africano de Desenvolvimento, criamos um modelo que transforma SDRs em capital híbrido — sem que os países percam reservas, conforme as regras do FMI. Para cada US$ 1 bilhão em SDRs, podemos gerar até US$ 7 bilhões em novos financiamentos, direcionados a quem mais precisa.

    O uso dos SDR faz parte do nosso compromisso com a nova Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, liderada pelo Brasil no G20. O BID se comprometeu a financiar até US$ 25 bilhões em apoio a políticas nacionais para erradicar a pobreza e a fome até 2030 — parte disso por meio da realocação inovadora de SDRs.

    Essas colaborações mostram o valor do multilateralismo quando ele é prático: reunir escala, conhecimento técnico e presença no território para destravar projetos e atrair o capital que realmente faz a diferença.

    4. O atual contexto econômico global — com juros altos, crises fiscais e tensões geopolíticas — dificulta a construção de soluções robustas de blended finance?
    O setor privado está mais avesso ao risco? E os governos, mais cautelosos?

    O cenário é mais desafiador, mas é justamente por isso que o blended finance se torna mais relevante. Ele ajuda a viabilizar projetos para aumentar a escala necessária para alcançarmos nossos objetivos comuns.

    Há que reduzir a incerteza. Risco, os investidores sabem administrar. O que bloqueia investimento é a instabilidade: regras que mudam, flutuações cambiais, falta de horizonte claro. Investidores sabem lidar com risco, mas precisam de regras estáveis e mecanismos bem desenhados para o que não controlam. É isso que estamos fazendo.

    Já temos exemplos funcionando. No Brasil, o Eco Invest mostrou que é possível mobilizar grandes volumes mesmo num ambiente macroeconômico difícil — combinando hedge cambial, estruturação ágil e capital público catalítico. No primeiro leilão, com R$ 6,8 bilhões do Tesouro, foram mobilizados R$ 37,6 bilhões do setor privado. Uma alavancagem média de 6,5 vezes. O modelo está se expandindo.

    O segundo leilão, com resultado previsto para junho, vai financiar a recuperação de áreas degradadas em biomas como Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal. Também apoia a inclusão produtiva de pequenos produtores, com ganhos de produtividade via agricultura sustentável. É um passo concreto para consolidar o Brasil como referência em segurança alimentar sustentável, alinhando produtividade, adaptação e investimento privado.

    E já estamos desenhando a terceira fase, focada na Amazônia para ser anunciada na COP30. O leilão deve incluir, além da questão de recuperação de pastagens degradadas, o fortalecimento das cadeias da bioeconomia e outras atividades que apoiam a transformação ecológica da Amazônia. O direcionamento dos recursos seguirá as diretrizes dos títulos amazônicos que estamos desenvolvendo com o Banco Mundial.

    Também estamos inovando na forma como mobilizamos capital. O novo modelo de negócios do BID Invest — o Originate-to-Share — permite que mobilizemos capital privado mantendo nosso próprio investimento na operação. Isso garante boa governança, usa melhor os recursos públicos e amplia escala com eficiência. Já colocamos esse modelo em prática com uma securitização de US$ 1 bilhão, envolvendo 20 países e 10 setores. Vendemos US$ 100 milhões — liberando espaço para até US$ 500 milhões em novos financiamentos, com impacto direto em 182 mil empregos, 468 megawatts de energia renovável e 61 mil empresas na região.

    Além disso, o BID Invest está em processo de aumento de capital para US$ 3,5 bilhões, o que deve duplicar nossa capacidade de mobilização nos próximos anos. Desde 2016, já mobilizamos mais de US$ 62 bilhões com o setor privado.

    5. Diante da intensificação das emergências climáticas na América Latina e no Caribe, como o BID tem atuado para fortalecer a resiliência dos países da região? Há instrumentos específicos voltados à prevenção e resposta rápida?

    A América Latina e o Caribe são altamente vulneráveis a desastres naturais. E com a intensificação desses eventos, construir resiliência deixou de ser uma opção — virou pré-condição para o desenvolvimento.

    Estamos atuando em três frentes:

    Primeiro, a colaboração regional. Lançamos o programa Preparados e Resilientes, para fortalecer a resposta coordenada entre países. A iniciativa vai destinar US$ 10 milhões em financiamento não reembolsável entre 2025 e 2030 — somando-se a empréstimos e cooperação técnica já em andamento. O Brasil faz parte desse compromisso, ao lado de mais de 16 países, parceiros privados e organizações internacionais. Ao todo, 37 países já assinaram a declaração de compromisso com a iniciativa.

    Na prática, isso significa trabalhar com governos locais para melhorar a capacidade de resposta, ampliar acesso a serviços e reduzir vulnerabilidades. Em Recife, por exemplo, estamos financiando US$ 260 milhões para reduzir riscos de inundações e deslizamentos, melhorar a infraestrutura urbana e ampliar o acesso a serviços sociais em áreas vulneráveis.

    Segundo, o financiamento ágil e direcionado. No Rio Grande do Sul, atuamos desde os primeiros dias após a tragédia climática apoiando o Estado com US$ 421 milhões em novos financiamentos entre maio de 2024 e abril de 2025. Também estamos desenhando um novo programa que pode chegar a R$ 1 bilhão para apoiar micro, pequenas e médias empresas afetadas.

    Também estamos acelerando prazos de implementação. Por exemplo, o Preparados e Resilientes foi desenhado para liberar recursos em semanas, não meses porque a urgência de resposta é tão importante quanto o volume de recursos.

    Terceiro, instrumentos financeiros que protegem o espaço fiscal em momentos críticos.

    A Cláusula de Dívida Resiliente ao Clima (CRDC) permite que países adiem pagamentos de principal por até dois anos após um desastre natural elegível — liberando espaço fiscal para responder à emergência. Já estamos usando essa cláusula em operações soberanas, e o BID Invest também começou a aplicar o modelo com clientes do agronegócio. Estamos também desenvolvendo mecanismos para transferir riscos, como os seguros e instrumentos paramétricos, em caso de desastres naturais.

    Resiliência é mais do que infraestrutura: é antecipar riscos, proteger os mais  vulneráveis e garantir que crises não virem retrocessos.

    6. Além da transição energética, que outras frentes o BID considera prioritárias para reduzir riscos climáticos na região — como infraestrutura resiliente, agricultura
    sustentável ou manejo da água?

    Reduzir riscos climáticos exige resposta integrada: inovação financeira, conservação e investimentos em setores básicos. Mas também exige ferramentas que todos os países possam usar para ampliar escala e impacto.

    Duas dessas ferramentas já estão em campo. O BID CLIMA, nosso programa que conecta incentivos financeiros a resultados ambientais mensuráveis para países da ALC (América Latina e Caribe), com dez países nessa fase inicial. Ele oferece um desconto de 5% no custo do financiamento para países que cumprirem metas ambientais mais ambiciosas pré-definidas, validadas de forma independente. Começamos com dez projetos-piloto, com um envelope inicial de US$ 1 bilhão, e já estamos preparando a segunda fase para ampliar o alcance.

    Outra frente é a conversão de dívidas, que liberam espaço fiscal e financiam conservação e resiliência de longo prazo. Em Barbados, a operação gerou US$ 125 milhões para ações de resiliência. No Equador, já somamos mais de US$ 1,8 bilhão em economia fiscal, com recursos destinados à proteção das Galápagos e da Amazônia.

    Esses instrumentos são escaláveis, replicáveis e conectam sustentabilidade com gestão fiscal, abrindo espaço para outras prioridades.

    Ao mesmo tempo, atuamos diretamente em setores-chave como a infraestrutura resiliente, agricultura sustentável e manejo da água — bases fundamentais da adaptação.

    Infraestrutura resiliente: o Corredor Xochi entre Guatemala, México e El Salvador, que está sendo construído para resistir a inundações e eventos extremos.

    Água e saneamento: estamos combinando consultoria e investimento com metas como Redução de Água Não Faturada (NRW) e SLLs (Sustainability-Linked Loans) com KPIs de adaptação. Também estruturamos iniciativas pioneiras em gestão de NRW.

    Agricultura sustentável: promovemos inclusão produtiva, uso eficiente de recursos e crédito adaptado à realidade dos produtores.

    Gestão costeira e soluções baseadas na natureza: com o Grupo Piñero, apoiamos ações no Caribe e México para proteger manguezais, recifes, vegetação nativa e gerar empregos locais.

    Energia e água na Amazônia: lançamos o Acelerador de Energia Limpa e o Programa de Segurança Hídrica para ampliarem acesso e resiliência nos territórios mais vulneráveis.

    7. Em relação à Amazônia (não só a brasileira), como o BID tem estruturado apoio direto a negócios locais e cadeias produtivas da bioeconomia? Há linhas específicas
    voltadas à geração de renda com conservação?

    Como mencionei, o Amazônia Sempre é o nosso programa guarda-chuva do BID para o desenvolvimento sustentável da região amazônica. Ele parte de uma visão clara: a Amazônia é crítica não só para a América Latina, mas para o mundo. Abriga a maior floresta tropical do planeta, regula o clima, sustenta a
    segurança hídrica e alimentar da região, e tem potencial para liderar a transição para uma economia de baixo carbono.

    O Amazônia Sempre foi criado para unir conservação com geração de renda. Ele se apoia em cinco pilares: combate ao desmatamento, bioeconomia e economia criativa, inclusão social, cidades resilientes e agricultura sustentável. Desde 2023, o programa já expandiu de US$ 1 bilhão para mais deUS$ 5,2 bilhões em oito países, com apoio técnico, financiamento e parcerias público-privadas.

    Dentro desse guarda-chuva, a bioeconomia é um dos pilares centrais onde estamos avançando por várias frentes.

    Com o Banco do Brasil, estamos estruturando uma linha de US$ 250 milhões para apoiar bioeconomia e infraestrutura sustentável na Amazônia Legal — com foco em conectividade, energia renovável e cadeias produtivas locais.

    Estamos atuando também junto às comunidades locais. Com parceiros como a CONAQ (no Brasil) e a AIDESEP (no Peru), apoiamos diretamente povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais com assistência técnica, acesso a financiamento e fortalecimento de cadeias socioprodutivas.

    O IDB Lab ampliou o suporte ao ecossistema empreendedor, com mais de US$ 40 milhões em assistência técnica e capital semente para soluções baseadas na natureza e tecnologia sustentável.

    E estamos promovendo parcerias com o setor privado que valorizem os ativos naturais da região. Um exemplo é a operação com a Natura, voltada ao desenvolvimento de produtos sustentáveis baseados na biodiversidade amazônica — gerando renda local e estimulando cadeias que conservam em vez de desmatar.

    A lógica é simples: há que oferecer alternativas econômicas concretas e sustentáveis para a população. Com políticas certas, financiamento direcionado e protagonismo local, a bioeconomia amazônica pode ser um motor de desenvolvimento e uma solução nossa para um desafio global.


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