

Em entrevista exclusiva para a Destino COP30, Sonia Consiglio, primeira mulher brasileira reconhecida pelo Pacto Global da ONU como "SDG pioneer", analisa a importância de as empresas considerarem os temas socioambientais em suas estratégias de negócios, assim como a participação do c-levels na COP, um espaço de construção de acordos de alto nível.
“Uma das principais funções da Conferência é promover interações de excelência que você não conseguiria de outra forma, uma vez que você tem todos os países participando dela. Avalio que o setor privado vem aumentando a representatividade, não só em quantidade de empresas, mas principalmente em nível da representação”, afirma.
Conselheira de Administração e membro de Comitês de Sustentabilidade de diversas empresas globais, Sônia defende maior letramento para executivos de mercado, de modo a desenvolverem suas habilidades de interlocutores na agenda climática. Ela é ainda autora dos livros “#vivipraver – A história e as minhas histórias da sustentabilidade ao ESG”, “#sobrevivi – o que li, aprendi e vivi no meu luto” e “#vivipraver2 – 5 anos de coluna no Valor Investe”, da Editora Heloisa Belluzzo.
Confira a entrevista!
1. Após participar de várias edições da COP, como avalia a evolução da participação do setor privado na construção de acordos e soluções climáticas?
Vejo claramente uma evolução da participação do setor privado nas COPs. Ele sempre foi muito presente. É importante destacar isso. Desde quando eu vou para as COPs, em 2009, a participação das empresas do setor privado é muito representativa. Vejo que cada vez mais vem aumentando não só a quantidade de empresas que vão, mas, principalmente, a representatividade.
Nas primeiras COPs, era muito comum a equipe de sustentabilidade participar. Nas últimas edições, principalmente depois da pandemia, quando houve mais conscientização e entendimento sobre a pauta pelas altas lideranças, a participação de CEOs e c-levels, de executivos na posição de relações com investidores, pessoas mais relacionadas ao negócio, vem aumentando. Isso é muito bom porque a COP é um evento de negociação de alto nível, de influência. Ter lá a presença do CEO participando de painéis e, principalmente, fazendo reuniões bilaterais é importante. Uma das principais funções de uma COP é promover interações de alto nível que você não conseguiria de outra forma, uma vez que você tem todos os países participando dela.
2. Como integrante de conselhos empresariais, como enxerga hoje o peso dos temas de sustentabilidade nas decisões estratégicas das empresas?
Essa é uma das principais mudanças que a gente observa nos últimos anos e, de novo, eu trago a pandemia como um “divisor de águas” para essa agenda. Após a Covid-19, houve um entendimento mais profundo da interrelação entre ambiental, social e governança. Porque uma saúde social relacionada ao meio ambiente colocou a economia em lockdown. Houve um repensar e um entendimento muito mais profundo de todos os atores, mas, principalmente, falando aqui sobre empresas quanto à compreensão do valor dessa agenda, a importância que ela tem.
À medida que um tomador de decisão entende essa importância, o valor agregado de um tema, ele traz para a sua estratégia de negócios. Foi isso, então, o que aconteceu e vem acontecendo com as questões de sustentabilidade. Estou falando sobre CEOs e membros de conselhos acerca do entendimento dos cenários ambientais e sociais e como eles impactam as operações do negócio, ou seja, como eles são riscos e também oportunidades.
A partir desse entendimento, naturalmente se traz para o universo das decisões estratégicas o tema, ele passa a fazer parte do planejamento. Hoje, não se coloca a sustentabilidade apenas na última milha, mas desde o começo, quando eu penso estrategicamente a minha empresa. Então, eu vejo hoje que o tema tem vários níveis e vários momentos de maturidade quanto ao entendimento e à condição também da empresa priorizar essas questões. As organizações que são de ponta, que estão ali realmente na primeira prateleira, vamos dizer assim, do peso econômico que possuem para o crescimento do nosso País, sem dúvida, já trouxeram para suas decisões estratégicas essa pauta da agenda climática. As demais estão nesse caminho de entendimento, eu não tenho a mínima dúvida disso.
3. Diante da urgência climática e do aumento dos riscos associados, as empresas estão mais preparadas para avaliar e gerir esses riscos? O que ainda falta?
Eu penso que os eventos climáticos extremos que aconteceram nos últimos tempos colaboraram demais para esse entendimento e para esse olhar de risco mais apurado diante das questões socioambientais.
O que ainda falta é um movimento sistêmico. Costumo dizer que uma andorinha só não faz verão, a sustentabilidade sozinha, as questões socioambientais, melhor dizendo, sozinhas não são capazes de mudar uma lógica empresarial. É preciso um macro contexto. Então, quando você tem aí, por exemplo, conflitos, guerras, que impactam em toda uma rede de abastecimento mundial, questões energéticas, migrações, impactando pessoas, países, é claro que tudo isso fica mais complexo para você trazer isso para sua estratégia e, obviamente, para sua gestão de riscos.
Acho que falta, e estamos nesse caminho, uma evolução nas questões regulatórias, que permitam as empresas priorizarem essas pautas. Então, eu acho que a gente está neste caminho de mudanças sistêmicas. Agora, sempre haverá a necessidade de engajar. Letramento de altas lideranças é fundamental nisso, uma vez que temos líderes em diferentes níveis de entendimento. Essa é uma tecla que a gente não pode parar de bater, apesar de já ter aumentado muito a conscientização acerca da importância do entendimento aprofundado em relação a tudo que a agenda socioambiental engloba. Porque, de novo, para mim esse é o principal ponto. Quando você entende, compreende riscos e oportunidades como variáveis do seu negócio, você coloca na estratégia e você gere esses riscos. Eu analiso sob essas duas dimensões: do macro contexto e do contínuo letramento do entendimento dessa agenda.
4. A realização da COP30 no Brasil pode ampliar a compreensão — por parte da sociedade e das empresas — sobre a importância da cooperação multilateral no enfrentamento da crise climática?
Eu acho que, em alguma medida sim. Mas eu não colocaria tantas fichas em relação à COP30, do ponto de vista de aumentar a compreensão da sociedade e das empresas. Eu acho que o fato de acontecer no Brasil é relevante, pois vai se falar mais sobre essa temática, mas pode continuar sendo um nicho. Dependendo da forma como se aborda a COP30, e eu tenho uma grande preocupação em relação a isso. Exemplo: ela não é um evento ativista. Não é isso. Ela é um evento de alto nível da ONU para negociação climática.
Então, a gente não pode correr o risco de transformar o contexto dela em um evento de manifestações ativistas, que também fazem parte de uma COP, a gente sabe disso. Eu teria um pouco de cautela em relação. A ampliação dessa compreensão eu deixaria mais para o pós-COP, sabe? Eu acho que à medida que os resultados da Conferência se orientam na prática, aí poderemos, talvez, apostar numa ampliação de compreensão.
5. Qual é a sua expectativa em relação ao legado que o Brasil pode gerar ao sediar a COP30? E o que seria necessário para que esse legado seja positivo e duradouro?
Não é o legado do Brasil, o Brasil apenas está sendo um anfitrião. É claro que vai se associar os resultados desta COP ao Brasil, como acontece em todas as COPs. Então, o legado tem que ser para o mundo, do ponto de vista de resultados concretos para as negociações climáticas. Eu acho que esse é o ponto principal: que a gente seja capaz de apoiar um avanço, uma inteligência e um pragmatismo nas discussões.
A presidência da COP30 tem dado esse tom sobre pragmatismo, sobre implementação, sobre mutirão. Penso que o principal legado é o resultado concreto, mas eu vejo o Brasil trazendo contribuições interessantes em propostas como as geradas pelo “high-level champion”. Eu acho isso interessante.
Há algumas iniciativas de diálogo que o Brasil está trazendo que são interessantes. Eu diria que são iniciativas que as estruturas das próprias próximas COPs possam adotar, se virem valor. Então, acho que nesse sentido, sim, o Brasil tem trazido algumas ideias.
Agora, o principal legado é resultado para a negociação mundial, e isso se faz com muita articulação, com muita influência, com muita responsabilidade. Mas, de novo, a COP sozinha não resolve nada. A gente tem um macro contexto muito desafiador, do ponto de vista político, geopolítico, econômico. O Brasil recebe uma COP num momento bastante tenso do mundo e isso, sem dúvida, acaba sendo uma forma com a qual a gente tem que lidar e observar também os resultados à luz dessas variáveis.
Não adianta pensar que a gente vai se reunir duas semanas em Belém e vai “tirar algum coelho da cartola”, sendo que o mundo está em guerra, o Brasil está no meio de várias situações delicadas de negociações. Eu teria cautela em relação a isso de novo, acho que talvez a gente possa deixar mensagens importantes sobre diálogo, sobre a articulação que o Brasil promove.
É uma pena que a gente esteja passando pela questão de hospedagem com preços elevados. Os preços são absolutamente fora da realidade de qualquer COP. As conferências, em geral, têm, obviamente, os valores de hospedagens majorados, mas não na dimensão do Brasil hoje. Isso não existe. É uma pena porque acaba dificultando a participação, colocando preocupação onde não deveria haver. Infraestrutura não tinha que ser uma preocupação nesse momento. Nós estamos em julho, a COP é em novembro e a gente tem esse tipo de questão para lidar, ainda. Mas enfim, vamos seguir otimistas, principalmente, com o avanço do macro contexto mundial. A COP30 vai ser um resultado, sem dúvida nenhuma, desse macro contexto.
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